quinta-feira, dezembro 15, 2005

Memórias do que já passou

Parece-me que cada um tem uma maneira muito particular de recordar os acontecimentos da sua vida. Independentemente dos factos e daquilo que, efectivamente, aconteceu, somos capazes de pegar nas palavras de alguém e construir uma memória que a partir de determinada altura já não conseguimos distinguir daquilo que foi. Para além de tudo isto, somos capazes de romantizar os aspectos da nossa memória que mais importância actualmente tem para nós, mesmo que na altura não tenham significado aquilo que gostávamos de ter apreendido. Por isto tudo, várias das recordações que tenho apresentam características similares, que eu já não consigo identificar como sensações especiais na altura, se sensações que eu agora gosto simplesmente de vasculhar e fazer sobressair.

Tendo tudo isto em conta, começo por dizer que o sol é das características presentes na minha vida que mais me faz recordar momentos vividos. E reparei nisto há medida que fui procurando as memórias que tenho de todas as escolas por onde já passei. O portão do Infantário, com a tinta a descascar aquecida pelo sol, que ficava virado para o terreno baldio para onde pesadamente olhava e via as máquinas a construírem a nova Junta de Freguesia enquanto esperava que a minha mãe me fosse buscar. As altas janelas da sala de aula do quarto ano da Escola Primária semicerradas enquanto fazíamos os ditados cabisbaixos e com um medo desgraçado dos erros e das reguadas que os seguiriam. Os passeios de cimento aquecido pelo sol que rodeavam os pavilhões da Escola Preparatória. Os tampões pretos das mesas dos laboratórios da Escola Secundária que aqueciam por entre as frinchas das persianas puxadas até meio. Os claustros iluminados por um quadro pintado com um céu azul, limpo e um sol de fim de tarde de Inverno, que ainda consegue aquecer por entre os bafos de frio visíveis dentro das salas com aquecedores deficientes e corredores com o chão pintado pelos raios que penetram através das portas das varandas às vezes fechadas, às vezes abertas.

Um sol tão brilhante que obriga a fechar os olhos. A cara que aos poucos começa a aquecer. O nariz e as mãos que lentamente descongelam. O silêncio por entre o barulho dos intervalos. O som de fixar uma memória que mais tarde se vai recordar. Ou então, simplesmente, um momento para parar e apreciar uns breves instantes vazios de pensamentos, vazios de preocupações onde o calor começa a abraçar os centímetros de pele expostos aquecendo também os escondidos. Às vezes fecho os olhos e gosto de voltar lá, a esses instantes e tirar uma folga destes.

2 Comments:

At 10:03 da tarde, Blogger A Mulher said...

Nem te vou dizer que tipo de blog é que este teu post me fez lembrar... acho que todos temos um pouco de cor-de-rosa nas nossas vidas.

 
At 10:14 da tarde, Blogger Adriana said...

É verdade, eu esforcei-me por chegar lá. Espero não os ter desapontado.

 

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