terça-feira, fevereiro 07, 2006

atrasado

E é assim. Passou mais um ano. Mais uma vez, o mundo fez reveses no festejo de mais um ciclo que acaba e outro que se inicia. O segundo final do ano de 2005, uma última inspiração e o fôlego preso no estômago quando a rolha da garrafa salta e desaparece no chão da sala. O olhar fixo nas taças de champanhe com o fundo coberto de passas e a espuma branca que fica acumulada no topo e que quase transborda. As bolinhas de ar que sobem rapidamente e o fechar dos olhos antes do gole. O momento que nunca foi esperado e um secreto desejo proferido entre lábios por um futuro diferente daquele que é imaginado. Foi um segundo que parou, talvez o tempo necessário para corrigir a rota do planeta, para voltar a entrar no ritmo. Passados instantes, a vida continua.

Num fim de ano como tantos outros, ela finge, mais uma vez, que se desejar com força suficiente as coisas vão acontecer, e se não acontecerem pelo melhor, pelo menos mudam.

Horas mais tarde, deitada na cama, desperta com os sons da música berrante da festa que se faz distante. Pensa de forma definitiva na vida que leva, na que levou e nas coisas que já perdeu e que sabe que nunca vai recuperar. Não tem pena, a vida muda, nunca poderia ficar igual, mas secretamente pensava, meio em forma de desejo, meio em forma de certeza, que a magia ia continuar. Inventa um discurso depressivo de uma mágoa reprimida que repete e vai repetindo até que, na sua cabeça, o som da música se torna mais forte do que as palavras memorizadas. Sente-se sozinha, como tantas outras vezes, mas também como há muito não se sentia e como há muito esperava não ter de voltar a aprender a ser. Quando a música finalmente pára, adormece.

O dia amanhece e a manhã faz-se tarde. Levanta-se à hora do almoço e dirige-se à cozinha onde as persianas subidas da janela do apartamento do terceiro andar deixam passar a luz ofuscante das nuvens cinzentas que cobrem o céu. Posso tomar banho? Com os olhos semicerrados é a única coisa que consegue dizer, esboça um sorriso e dirige-se à casa de banho. Enquanto caminha com os pés nus dentro dos chinelos emprestados pensa na dificuldade que sempre teve em regular a água quente daquele chuveiro Vai ser uma merda de um banho!